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Estilista Cabeto é “O Cara” das modas

19 maio 2015 | Galerias

Por Lucas Magno

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Cabeto em seu ateliê

Nossa equipe chegou ao ateliê do estilista e alfaiate Cabeto no meio de uma tarde de quarta-feira em Fortaleza. Já na entrada, observamos a personalidade extremamente marcante do artista (sim, achamos que o que Cabeto faz é parte de uma arte única e especial): ele batia um papo delicioso e divertido com um cliente de longa data. Com voz grave e um corpo longilíneo, ele nos recebeu com um abraço apertado. Ali era o começo de uma conversa cheia de histórias magníficas. Além de ser um grande profissional, ele também é um contador de histórias como nenhum outro.

Duvidamos que você em algum momento não tenha escutado falar de Cabeto, afinal, ele foi precursor da alfaiataria no Ceará, principalmente da masculina. A gente se arrisca a dizer que em meados das décadas de 1970 e 1980, o estilista comandou a indústria cearense fazendo um trabalho rico em detalhes e feito sob medida. Ele nos mostra com orgulho as dezenas de recortes de revistas famosas e nacionais em que seu nome e seu jeito de criar roupa (e vesti-la) eram destaque em caixa alta. Boom! Ele estava por todos os lados.

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E pensar que em 2014 ele continua fazendo a coisa toda funcionar é simplesmente fantástico. Naquele endereço da Avenida Monsenhor Bruno, ele montou fashion shows e costurou peças até para grandes celebridades, e permanece com uma cartela de clientes fiéis (vez ou outra chegava alguém e ele prontamente atendia com entusiasmo). Talvez entusiasmo seja uma das palavras-chave que definem o trabalho de Cabeto. O que ele continua fazendo até hoje é tão cheio de verdade que inspira qualquer um, seja das modas ou não.

Nessa entrevista (que você deve ler até o fim), Cabeto fala sobre as marcas que são vítimas de tendências, do seu amor incondicional pelo estilo italiano e comenta até sobre a profusão das faculdades de moda no Ceará. Ah, e claro, enche a boca pra nos deslumbrar com o seu trabalho, do qual ele fala com o prazer de um rapaz que está começando. A moda de Cabeto continua de vanguarda, assim como a personalidade do estilista, que gostamos de chamar de “O Cara”.

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** Pra começar vamos falar de tendências. Você ainda acredita nessa palavra e no impacto que ela causa na moda?

Acredito. As pessoas que trabalham com moda, em qualquer setor, seja em arquitetura, seja em mobiliários, seja em decoração, têm sempre que seguir uma tendência. Mas eu acho isso muito perigoso, porque a tendência não está determinando para que biótipo a pessoa vai usar. Muitas vezes a tendência é para o magro e a pessoa mais cheia quer usar, é para o baixo e o alto quer vestir, e vice-versa. Então eu, dentro do meu ateliê, procuro saber primeiro a personalidade de cada cliente, seja o masculino ou seja o feminino. Que nem quando você vai fazer uma roupa pra noiva, você tem que saber qual o sonho dela. Dentro disso, você vai trabalhando coisas que possam favorecer aquele corpo, aquele tom de pele, e eu acho isso muito mais importante do que você pegar uma roupa “isso aqui, essa transparência, essa segunda pele tá muito na moda”. Então eu não trabalho dessa forma dentro da minha moda. Porque quando eu iniciei, fazia um grande fashion show no Teatro José de Alencar e seguia todas as tendências. Eu lembro que uma vez a roupa árabe estava em alta. Imagine no Ceará, você botar na cabeça do fortalezense que ele tinha que usar as batas longas e compridas, usar um turbante, as mulheres também, trabalhar em cima de panos e panos, como os árabes usam.

** Complicado, principalmente para os homens.

Principalmente pra homem. Porque na década de 70 e 80 eles eram mais ousados que agora. Eles agora estão preconceituosos e básicos. Essa geração mais nova é muito preconceituosa, eles olham pra uma roupa e falam que é “coisa de viado”.

** É assim que você enxerga o mercado de moda masculina atual?

Sim. A mulher busca muitas informações e ela se perde nessas informações. O mercado masculino ainda é muito preconceituoso. Os homens estão preocupados se a roupa vai disfarçar se ele é gay ou não é. Eu vejo essa questão do preconceito masculino pelos sapatos. Hoje em dia você chega numa loja e tem peças de todas as cores. Eu fabrico sapatos estampados. Eu tenho sapato de paetê, preto, estampado de onça, com estampas barrocas, desenhos de brocado em cashmere… Eu ponho sapato porque pra mim ele é personalizado. Mas se você chegar num determinado local com sapato roxo, como eu tenho, as pessoas olham e julgam. Eu na década de 1980 ia pra São Paulo e me lembro de ter um sapato de pele de onça. Eu tinha um sapateiro que montava toda essa estrutura de calçados. Aí hoje em dia, em 2014, ainda estão olhando pro meu pé e perguntando por que eu estou com um sapato vermelho. E ao mesmo tempo não existe o preconceito quando tem a Copa do Mundo e o jogador de futebol bota um tênis verde-limão e o outro laranja. O povo ainda assiste a Copa do Mundo só pra ver a bunda do Hulk e é publicado nas internets da vida. E todo mundo admira, seja homem ou seja mulher.

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** Analisando a moda desde a década de 1970, o que você sente de mudanças mais significativas?

Eu te falo, sinceramente, além da tecnologia dos tecidos, que não evoluiu nada. Pelo menos na minha cabeça para o que eu faço hoje, só mudou a modelagem. O paletó era acinturado, era curto e a calça era curta e slim. Igual hoje em dia. O que eu faço na moda é aprimorar a qualidade do meu trabalho, um melhor acabamento, uma melhor modelagem, que favoreça mais o corpo. Eu vejo os sapatos estampados e os coloridos, eu vejo os paletós vermelhos e as calças coloridas.

** Você também já viajou bastante pelo mundo. Quem é o povo mais estiloso, na sua opinião?

A raça mais bonita do planeta, a mais estilosa e a mais safada é a italiana. Que eu me identifico. Porque eu tenho a alma de italiano. Pra mim o melhor estilista do mundo, não pelo exagero, mas pelo bom gosto e pelo equilíbrio – porque pra mim tudo funciona com equilíbrio – é o Giorgio Armani, apesar de gostar muito da Versace. Gosto muito de Dolce & Gabbana também. Mas os italianos me completam muito mais do que o resto do mundo. A comida, a raça, a língua e a moda. Os homens que sabem usar o jeans da forma mais correta que eu conheço. Eles vestem a camisaria toda adequada para o tom do jeans. Porque as pessoas acham que o jeans combina com tudo, mas o blue jeans combina com as coisas que funcionam com o azul. Eles são os mais elegantes. E eles se curtem, eles se abraçam, eles se beijam, eles passam a mão na bunda um do outro e tudo aquilo é de uma convivência muito saudável.

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Detalhes do espaço do estilista na avenida Monsenhor Bruno

** O que torna uma roupa especial? O que deixa as pessoas sentirem desejo por determinada peça?

É quando você descobre o fundo da alma do cliente e consegue fazer daquele tecido uma segunda pele. Você está colocando pra fora todo o caráter daquela pessoa. Quando eu atendo um cliente, masculino ou feminino, seja um noivo ou seja uma noiva, eu procuro primeiro ser o psicólogo, o analista, pra descobrir a alma dele através da personalidade, através do signo dele, que é uma coisa que eu adoro e que eu sei muito da personalidade de cada um. Isso é o grande segredo de quem trabalha num ateliê de costura. Quando você senta na minha mesa, eu tenho que descobrir aquilo que eu vou criar pra você e pra lhe agradar. Isso dentro do meu profissionalismo, dentro da qualidade do trabalho que eu faço e dentro do bom gosto que eu tenho consciência que eu sei fazer.

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** Cabeto, de uma forma geral, você acha que a liberdade criativa na moda está se perdendo?

Os profissionais têm vontade, mas por conta do dinheiro a liberdade criativa se perdeu. A preocupação é ganhar dinheiro e fazer aquilo que é vendável. O mercado joga você dentro de uma situação que é preciso vender, você tem que ganhar dinheiro, tem que pagar os teus compromissos e tem que fazer a merda, porque nem tudo que eles fazem é bonito. Como o sapato de plataforma, que eu já vi Chanel fazendo, coisas ridículas, horríveis. Eu procuro dentro do meu trabalho, que comecei em 1971, não estar fazendo coisas mirabolantes ou tentando criar aquilo que alguém ainda não fez. Tudo já foi feito, eu procuro viajar no meu equilíbrio. Nem muito extravagante demais, nem muito careta demais. Tem que ter o equilíbrio porque assim tudo sai bonito nessa vida.

** Hoje em dia não faltam faculdades de moda. Tem espaço no mercado pra esse monte de gente se formando?

Além de não ter espaço, eu vou falar uma coisa aqui pra você, que eu digo, inclusive, quando eu dou palestras nas faculdades de estilismo. Eu entro no salão lotado de uma faculdade, olho e tem uma menina com cara de estilista e tem um rapaz com cara de estilista, o resto está lá dentro fazendo o feijão com arroz e a buchada. Não têm personalidade nenhuma pra ser estilista. Eu já coloquei vários estudantes aqui dentro do ateliê, pra estagiarem terminando faculdade. Teve um que passou 3 meses e nunca trouxe um desenho. Eu não sou desenhista de moda. Até tenho uns desenhos nos meus arquivos de 1974, mas como eu sou muito imediatista prefiro pegar o pedaço de pano, cortar e fazer. Esse estudante nunca trouxe um desenho, nunca pegou uma roupa pra dizer que era bonita. No dia que eu fiz uma camisa com estampa liberty, ele olhou e disse: “mas você vai usar uma camisa de florzinha?”. Ele era tão sem informação que ainda disse que eu usava uma camisa de florzinha, ele não sabia nem que aquela florzinha tinha um nome dentro do mundo da moda. Foi uma coisa tão insegura, tão cheia de dúvidas, que quando terminou o estágio eu disse “querido, se eu fosse você, abandonaria a ideia de ser estilista”. Eu nunca tive escolaridade, porque eu sou do interior do Piauí e aqui, quando eu cheguei em 1962, não existia nada de estilismo, imagine no meu interior que não tinha nem uma banca de revista. Se você não tem o dom dentro da sua alma, não adianta querer ir pra uma faculdade aprender as técnicas de modelagem, as teorias, a história da moda, da arte. Se não tiver o dom da criação, o dom de entender a alma das pessoas para captar aquilo que elas querem, não vai conseguir nunca. Como que você vai ter o bom gosto? Porque eu conheço pessoas humildes que moram dentro de uma casinha no subúrbio mas se você chegar na casa delas, elas sabem vestir uma roupa, elas sabem colocar um móvel dentro de casa, porque isso já vem de dentro, da alma.

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