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Alina Duchrow e Ana Cristina Mendes falam sobre mostras do Projeto Trajetórias Artísticas Unifor

1 set 2024 | Notícias

Por Tainã Maciel

“Teologia Natural” e “Nascente” oferecem ao público uma imersão em mundos que
transcendem o visível, explorando memórias, afetos e a conexão ancestral
Curadora Ana Valeska Magalhães entre as artistas Alina Duchrow e Ana Cristina Mendes (Foto: Ares Soares)

Na Universidade de Fortaleza (Unifor), o Projeto Trajetórias Artísticas ganha vida com duas exposições que exploram a relação profunda entre natureza e a história. “Nascente“, de Ana Cristina Mendes, e “Teologia Natural“, de Alina Duchrow, oferecem ao público uma imersão em mundos que transcendem o visível, explorando memórias, afetos e a conexão ancestral com a terra e a água, no Espaço Cultural Unifor. A equipe da Plataforma MT mergulhou nas histórias e processos criativos das artistas, que compartilham suas visões em entrevistas exclusivas.

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Tecendo memórias entre rios

Ana Cristina Mendes apresenta a exposição “Nascente”, com entrelaçamentos entre a natureza, o ser humano e a mitologia, representados de maneira única. A mostra também abraça a simbologia dos rios. Para Ana Cristina, essa conexão é antiga e íntima, enraizada em suas próprias experiências de vida e história familiar – do Rio Jaguaribe, no Ceará, ao Rio Caparska, na Macedônia.

“Cheguei nas águas dos rios, aguçando ainda mais meu interesse por uma pesquisa que caminhava concomitante a de minhas ancestrais, mulheres guerreiras que fazem parte de minha história. Jucás, no Ceará, às margens do Jaguaribe, foi cenário dessa pesquisa. A poética de meu trabalho tem o universo têxtil como laboratório desde os meus começos, fonte que se desdobrou no uso recorrente dos tecidos em meus trabalhos e assim como o mar-tecido, criei o tecido-rio“, compartilha.

Em 2023, a artista foi selecionada para uma residência artística na Macedônia do Norte, onde a aldeia de Capari, situada nas encostas da Montanha de Baba, também serviu como inspiração. “Era como se o tecido-rio elástico que levei pudesse abarcar cada casa, preencher as fendas do vazio da evasão e restaurar as fissuras do tempo e da saudade de um povo que não teve outra opção do que deixar suas casas e ir embora. Conectou a história de minha avó Áurea que migrou de Jucás para capital“, revela a artista.

“Nascente” reúne uma coleção de obras que vão desde 2005 até peças inéditas, todas imbuídas de um sentido de transformação. “Em minhas pesquisas, a mitologia é uma fonte constante. Nessa exposição, alguns trabalhos sugerem essas mutações, confrontando a visão antropocêntrica de mundo”, explica Ana Cristina. Dessa forma, alguns trabalhos da mostra exploram lendas locais e a biodiversidade do Nordeste.

O vídeo instalação “Macedônia” é a obra-símbolo da exposição “Nascente” (Foto: Divulgação)

Em “Sertão de Fora“, instalação de 90 metros quadrados, a artista explora o termo que se refere a como o litoral era chamado durante a colonização. “Historicamente, a raiz da palavra vem de ‘deserto’ no aumentativo, significando ‘grande deserto’ ou ‘desertão’, como os portugueses chamavam. Existiam dois sertões: o ‘de dentro’, uma vasta terra desconhecida, e o ‘de fora’, o mar selvagem que os trouxe a essa terra à vista”, disse ela, acrescentando que a imagem estereotipada da região como um chão rachado pela seca não é a única verdade. “Estudos indicam que, há 110 milhões de anos, o mar invadiu algumas dessas áreas, preenchendo-as com vida marinha. O sertão já foi mar“, destacou.

Já a obra “Bicho do Rio” é uma instalação de desenhos escultóricos que surgiu de sua conexão com uma lenda local. Inspirada por um mito do município de Jucás, onde um bicho de formas genéricas habita as profundezas do Rio Jaguaribe, a obra transita pelo imaginário coletivo.

“Não se trata de um bicho qualquer, mas de uma criatura híbrida, que pode ser tantos bichos quantos existam na mente daqueles que foram atacados por ele, ou na fauna local do rio”, comenta Ana Cristina. A lenda, rica em simbolismo, reflete medos enraizados na relação com o rio e a natureza, e é um convite para examinar os processos históricos vividos pelas suas ancestrais ao longo do século XX.

Na parede da esquerda: “Bichos do rio” e o “Sertão de dentro” na sequência; no chão: “Sertão de fora”; na parede da frente: “Vídeo Banho” (Foto: Ares Soares)

Com uma linguagem visual que transita por vários códigos artísticos como o vídeo, a fotografia, o desenho, a pintura e a performance, ela revela que o processo de criação muitas vezes é intuitivo. Obras como “Vídeo Nascente” “Sonhário” utilizam elementos como água e terra para criar uma experiência imersiva que convida os visitantes a refletir sobre as origens e a constante transformação da natureza.

“Busco me soltar de noções já cristalizadas pela cultura e dessa forma acessar memórias e afetos soterrados pelas peles invisíveis do esquecimento. Nesse sentido, espero que os visitantes recepcionem os trabalhos de uma forma permeável, olhando as obras mas também com a possibilidades de serem olhados por elas”,

comenta Ana Cristina Mendes.

Cartas para a natureza

Enquanto Ana Cristina explora as águas e as teias da memória, Alina Duchrow propõe uma imersão na conexão entre natureza e espiritualidade, com um enfoque na sustentabilidade e na memória histórica, na exposição “Teologia Natural“.

Duchrow explica que o nome “Teologia Natural” tem uma dupla conotação. “Fala tanto da crença cristã adotada pelas grandes potências imperialistas, principalmente o Reino Unido, onde, em nome do evangelho, tudo o que existia na natureza deveria ser disponibilizado para todos, justificando assim o livre comércio e a exploração dos recursos naturais das colônias na América Latina, Ásia e África. Porém, “Teologia Natural” pode ser vista como a relação de sacralidade do homem com a natureza“, afirma.

A mostra é composta por uma instalação de desenhos chamada “Eldorado”, uma instalação feita com peças de látex natural chamada “Medicina”. Os vídeos: “Quem me encontrar parado me empurre para o meio”, “A Semente”, “Opereta” e “Cartas a Reina”, além da obra “UM”, realizada em parceria com o artista marroquino Ziad Naittadi, composta por cinco fotografias.

A obra-símbolo da exposição “Teologia Natural” é um grafite e látex em papel feito à mão, que está presente na instalação Eldorado (Foto: Divulgação)

A artista descreve a instalação “Medicina” como um reposicionamento simbólico, usando o mesmo material explorado pela engrenagem do ciclo da borracha, criticado pela artista, para promover uma forma de retribuição ao meio ambiente.

“Subvertendo a lógica simbólica do caminho perverso da mercadoria, as peles de látex que compõe a instalação (fabricadas artesanalmente pela artista), operam como uma forma de restituição da seiva ao mundo vivo de onde foi retirada. O trabalho nasce com essa intenção: com o próprio veneno fabricar o antídoto“, diz Duchrow.

A instalação “Eldorado” também aborda a história da exploração da borracha na Amazônia com desenhos à grafite e látex sobre papel artesanal. Duchrow explica: “Os textos emoldurados que acompanham as imagens, vão desde relatos de livros de história, artigos de jornal, vozes de seringueiros sobre a floresta, vozes da floresta. A instalação se abre como a página de um livro de história, costurando e sobrepondo diferentes tempos e diferentes pontos de vista”.

Influenciada por artistas como Francis Alÿs e o cineasta Chris Marker, Duchrow busca provocar uma consciência crítica através de seu trabalho.

“Existe um ‘descuido do mundo’ que teve no progresso a razão e a desculpa para matar, expropriar, escravizar e fazer guerras. A intenção desse projeto foi jogar luz para os acontecimentos do passado que foram invisibilizados por esse discurso normatizado em que as pessoas são recursos para a manutenção do bem-estar de uma minoria e que está pondo em questão a própria sobrevivência do planeta em que vivemos”,

afirma Alina Duchrow.

Convergências e diálogos

As exposições “Nascente” e “Teologia Natural” marcam o reencontro de duas artistas depois de quase uma década. No primeiro encontro, elas não se conheceram pessoalmente, mas Duchrow colaborou em um projeto de Ana Cristina em 2013, que resultou no vídeo “Msafer”, que está na exposição “Nascente”.

Ana Cristina conheceu Alina através de email, quando ela aceitou um convite para participar do seu projeto de mestrado. “Ela foi a primeira a dizer ‘sim’ e também a primeira passagem da viagem de um objeto que se originaria a partir do mapa de sua rota. Surgiu nesse desenho que circundava os pontos das passagens por cinco artistas, uma forma que me sugeria um veste, o qual, dei o nome de “Oceano [in]vestido” e pode ser visto na mostra”, diz.

Ana Cristina Mendes e Alina Duchrow com a obra “Oceano [in]vestido” (Foto: Divulgação)

Esse contato, ainda que tenha acontecido de forma natural, pode ser observado como as correntes dos rios que se encontram. As águas dos rios, inclusive, estão presentes nas duas exposições. Na mostra de Alina Duchrow, o Rio Amazonas surge com relevância, enquanto na arte de Ana Cristina Mendes o Rio Jaguaribe, no Ceará, e o Rio Capaska, na Macedônia, visualiza metaforicamente suas águas.

A responsável por costurar esse conceito foi a curadora Ana Valeska Maia Magalhães, professora de história da arte há mais de 20 anos, autora de livros e ensaios sobre arte e psicanálise. Segundo Ana Cristina Mendes, a profissional tem um olhar cirúrgico para conectar artistas e obras.

“Ela vê minucias e muitas vezes enxerga coisas que faço muito intuitivamente. Nos últimos meses, Ana Valeska mergulhou profundamente nos nossos processos, meu e de Alina, e logo ela conectou as histórias que falam de rios diferentes, porém, nos subterrâneos, o rio é um só e esse encontro de águas que Ana Valeska percebeu vem propiciando diálogos infindáveis“, finaliza.

As mostras do projeto Trajetórias Artísticas Unifor, apresentadas nas galerias térreas do Espaço Cultural Unifor, estão abertas para visitação gratuita de terças a sextas, das 9h às 19h, sábados e domingos, das 12h às 18h, até 15 de dezembro.

Para mais informações sobre o trabalho das artistas e da curadora, acesse os seus perfis no Instagram: @anacristinamendes; @portfolio.anacristinamendes; @alina_duchrow e @anavaleskamaia.

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