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100 anos da Semana de 22: o que ficou de fora da mostra paulistana

3 mar 2022 | Notícias

Por Redação

Um século depois, pesquisadores refletem sobre grupos e artistas não representados no evento

Di Cavalcanti. Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna, 1922 (Foto: Reprodução/Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros – USP)

Por Izabel Tinin*

Um dos maiores marcos na história da arte brasileira, a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada no Theatro Municipal de São Paulo, deu novos rumos às produções artísticas nacionais. A cada aniversário do movimento, novas leituras e análises vêm a tona, e especialmente em 2022, exatos 100 anos depois de toda essa efervescência artística realizada na capital paulista, uma perspectiva ganhou ainda mais destaque: a dos grupos de artistas e manifestações culturais que não foram registrados ou incluídos na Semana de 22.

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“De acordo com a tônica da crítica atual, a Semana foi reducionista em vários quesitos. Primeiro, pecou por monocracia, concentrando a representação do sentimento moderno brasileiro no eixo Rio-São Paulo-Minas“, pontua a professora, pesquisadora e mestre em Artes pelo Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal do Ceará, Luciana Eloy.

Segundo ela, a mostra teve “rarefeitos representantes do Nordeste”, como o artista pernambucano Vicente do Rego Monteiro, que durante o evento aprimorava estudos de pintura, e o maranhense Graça Aranha, diplomata e escritor que, além organizador, abriu a cerimônia com o discurso intitulado “A Emoção Estética na Arte Moderna”.

“Além da limitada representação nacional, e do enorme protagonismo de representantes ligados à elite cafeicultora paulistana, outra questão que vêm à tona hoje é a rarefeita participação feminina”, completa Luciana. Essa análise é reforçada pela doutora em Estética e História da Arte e especialista em Modernismo no Brasil, Regina Barros. Segundo ela, a pintora Anita Malfatti, “considerada a porta-bandeira da exposição”, foi o nome feminino mais expressivo da Semana, e já era figura conhecida na cidade após a exposição individual em 1917 – que lhe rendeu, inclusive, duras críticas feitas por Monteiro Lobato.

“Quando você entrava no saguão do Theatro Municipal, a primeira artista com que você se deparava era Anita Malfatti, com as obras mais modernas, entre todos os artistas, e com o maior número de obras”, descreve Regina Barros, que é também curadora da exposição “100 anos da Semana de Arte Moderna em coleções do Ceará“, que será aberta ao público em março, no Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza.

Outro importante nome feminino na mostra foi Zina Aita, pintora mineira de forte influência futurista estabelecida no Rio de Janeiro. Contudo, o quadro “Homens Trabalhando” é a uma das poucas obras de Zina que se tem registro na Semana. “A artista passou batida à lupa de Sérgio Milliet [que também participou do evento] que a considerou ´mais bizarra que original´, elegendo a paulista Anita Malfatti a grande revelação da pintura“, comenta Luciana.

De acordo com Regina, na obra em questão, é possível observar os reflexos da vanguarda italiana, que Zina Aita teve grande contato durante a formação artística, em Florença, no norte da Itália. “Essa pintura, Homens Trabalhando, tem o mesmo tema que os futuristas abordavam, que é a cidade. […] As sombras longas, o fato de a cidade ser o cenário da pintura, a própria maneira de pintar, empregados pela Zina Aita”, explica.

Zina Aita. Homens Trabalhando, ou A Sombra, 1922 (Foto: Reprodução)

Há ainda outros dois nomes apontados por pessoas que estudam a Semana de Arte Moderna. Uma delas é Regina Gomide Graz, indicada por Regina Barros, mas cujo nome que não aparece no cartaz oficial do evento, o que impede de confirmar oficialmente a participação dela na mostra. A outra é Guiomar Novaes, pianista clássica consagrada internacionalmente, mas que levou o público a questionar o teor modernista do evento devido ao tipo de arte à qual se dedicava.

Fora do eixo Sul

Além do tratamento diferenciado com alguns artistas convidados para o evento, outros núcleos artísticos que, mesmo de forma tímida, se organizavam em outros territórios do Brasil, foram deixados de lado, ou mesmo nem considerados na Semana organizada pelo Grupo dos Cinco, formado pelos escritores Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Mário de Andrade e pelas pintoras Anita Malfatti e Tarsila do Amaral – esta última não participou do evento pois estava estudando em Paris, mas tem sempre o nome associado ao momento.

Anitta Malfatti. O grupo dos Cinco, 1922 (Foto: Reprodução/USP)

Um deles foi a Padaria Espiritual, importante agremiação literária, articulada antes mesmo da Semana de 22, em Fortaleza e que, diferente do grupo paulista, que era financiado pela elite cafeeira, era formada por diversos personagens da sociedade de classes menos privilegiadas da realidade cearense.

“A Padaria Espiritual foi uma confraria de caráter secreto formada por intelectuais, comerciantes, boêmios e cidadãos comuns que, munidos da palavra, faziam críticas em forma de textos, poemas e literatura”,

– Luciana Eloy, professora e pesquisadora em Arte
Integrantes da Padaria Espiritual. Da esquerda para a direita, os sentados: José Carvalho, Almeida Braga, Valdemiro Cavalcante, Antônio Sales, José Carlos Júnior e Roberto de Alencar. Em pé: Artur Teófilo, Sabino Batista, José Nava, Rodolfo Teófilo, Lopes Filho, Ulisses Bezerra e Antônio de Castro. (Foto: Reprodução/Obvious magazine)

Segundo a pesquisadora Luciana Eloy, o movimento expressava um “desejo de modernidade” nesses cearenses, buscando romper com as ideologias importadas das metrópoles europeias. Iniciado em 1892, o grupo, que adotava um linguajar simples e pseudônimos como “André Carnaúba”, “Bruno Jaci”, “Moacir Jurema” ou “Cariri Baraúna”, se reunia no Café Java, empreendimento de Mané Coco, situado na Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza. Eles buscavam uma identidade própria cearense, indo de encontro à Belle Époque, movimento artístico que estava sendo incorporado da França.

O nome, Padaria Espiritual, surgiu após uma epifania do Padeiro-Mor Antônio Sales provar um pãozinho no centro da cidade, daí a ideia de criar um “pão para o espírito”. Ao todo, 34 intelectuais integraram a Padaria, colaborando na produção do jornal dominical “O Pão”, que trazia fornadas semanais de críticas sociais e políticas. O periódico foi encerrado após seis anos, deixando um total de 36 publicações. Hoje, 130 anos depois, a agremiação não é tão lembrada quando a Semana de 22.

Jornal O Pão, 1892-1898 (Foto: Reprodução)

Antônio Sales, Padeiro-Mor da Padaria, foi batizado por ninguém menos que Rachel de Queiroz como o “padrinho e figura suprema das letras no Ceará“. Patrono e co-fundador da Academia Cearense de Letras, ele recusou várias vezes o convite para integrar a organização e até mesmo abriu mão de uma vaga na Academia Brasileira de Letras, tudo isso para ajudar a consolidar uma identidade local de produção artística e literária. Assim como os outros padeiros, Antônio teve outras profissões antes de ser reconhecido como escritor, trabalhando no comércio, no setor público, como político e jornalista, até mesmo no Rio de Janeiro.

Praça do Ferreira com coreto na década de 1920 e vista do Cine Majestic (Foto: Reprodução/Arquivo Nirez)

Pós Semana de 22

Não existem registros oficiais de produções artísticas cearenses datadas dos anos 1920 – e que supostamente teriam sofrido influência do evento de 22, em São Paulo. Contudo, as décadas seguintes foram de grandes produções no Ceará, não se restringindo apenas à capital cearense. É o caso da xilogravura, que não era considerada arte culta pelos entusiastas e especialistas da época, por ser algo de acesso popular.

A xilogravura foi uma expressão artística que pôde ser encontrada tanto em Fortaleza quanto na região do Cariri, ao sul do estado. No entanto, não havia uma formação oficial, a maioria dos gravadores não fazia cursos, porque não era algo ofertado na época. Eles aprendiam de forma independente ou nas gráficas. No interior, a xilogravura era feita em maior quantidade, por ser usada para fins comerciais, ilustrando panfletos, via sacras e afins, ajudando a movimentar significativamente a economia local nas décadas de 1930 e 1940, segundo compilou Francisco Sebastião de Paula, na pesquisa de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2014.

Mestre Noza. Via Sacra (Fonte: Reprodução/Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin)

Diferente da xilogravura do expressionismo alemão, que imortalizou enquanto artistas nomes como Albrecht Dürer, Hans Baldung e Ernst Ludwig Kirchner, gravadores cearenses a exemplo de Mestre Noza, Manoel Santeiro e seus sucessores recebiam apenas o título de artesãos.

Ernst Ludwig Kirchner. Casal Dançarino, 1924 (Foto: Reprodução/MoMA)

Modernismo cearense

Apenas em 1941 o reflexo modernista é oficializado no Ceará, com a criação do Centro Cearense de Belas Artes (CCBA) para suprir a carência de formação artística. O primeiro espaço estadual inteiramente dedicado ao estudo das artes ajudou a revelar nomes como os pintores Antonio Bandeira (1922 – 1967) e Aldemir Martins (1922 – 2006), além de contribuir na consolidação de um dos maiores artistas cearenses, Raimundo Cela (1890 – 1954).

Sob influência do CCBA, é criada a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap), em 1944, já com fortes referências do modernismo paulista de 22, e tendo como integrantes o casal Estrigas (1919 – 2014) e Nice Firmeza (1921 – 2013), Barrica (1913 – 1993), Sérvulo Esmeraldo (1929 – 2017) e o suíço Jean Pierre Chabloz (1910 – 1984). Um ponto muito impar da Scap é a ligação com a literatura, dando origem ao Clube de Literatura e Artes (Clã), que contava com a participação de artistas e escritores.

Os Salões de Abril, promovidos desde 1943 e comandados pela Scap a partir de 1946, foram um ponto importante para a consolidação e popularização nacional da arte local. Prova disso foi exposição realizada no Rio de Janeiro, na galeria Askanasy, apenas com obras de artistas cearenses. A Sociedade permaneceu ativa até 1958, mas deixou importantes contribuições às artes alencarinas até os dias atuais.

*Sob a supervisão de Jéssica Colaço

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