2 jul 2025 | MT Acontece
Começo meu texto pedindo licença ao colega Napoleão Ferreira para recitar versos de sua autoria que seguem da seguinte maneira:
“Vi Venda.
Era uma casa simulacro
de estilo antigo.
Suas paredes revestidas de cerâmica
que simulava aço patinado.
Seu piso sintético imitava mármore.
Sua coberta de vigas e telhas metálicas
que imitavam madeira.
Seu jardim de grama artificial.
Havia vasos com flores de plástico.
Nela morava uma família
que simulava ser feliz.
Financiada em infinitas prestações.
A casa situava-se numa falsa avenida;
em um condomínio fechado
que imitava uma cidade.”
Ao ler esse texto, fico imaginando o desafio que seria hoje para o poeta Olavo Bilac redigir o famoso anúncio da propriedade de seu amigo… São tempos outros, e muito da poesia que naturalmente habitava os lares se perdeu, assim como a verdade das intenções estéticas e, mais ainda, a dos materiais.
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Como já alertava Jean Baudrillard, vivemos em uma era onde o simulacro substitui o real. E o perigo é quando nos acostumamos a viver nessa cópia e passamos a preferir a imagem ao tangível — o cenário ao lugar vivido.
Se tratando de arquitetura de interiores, há algo profundamente simbólico, por exemplo, na escolha do brasileiro por revestimentos fakes, como os que imitam madeira, bancadas que se fazem de mármore ou papéis de parede que tentam ser tijolos. É mais do que uma decisão estética: é um retrato da nossa relação com a imagem, o desejo e a identidade.
Desde os tempos coloniais, fomos treinados a valorizar a aparência em detrimento da essência. Os interiores das igrejas e teatros, ricamente ornamentados e com pinturas que imitavam mármore (trompe-l’œil), escondiam estruturas simples. Isso ajudava a criar uma sensação de luxo e imponência mesmo com recursos limitados. Assim, crescemos culturalmente acreditando que parecer é, muitas vezes, mais importante do que ser.
Essa lógica se mantém viva nas casas de classe média que replicam estilos europeus em revestimentos industrializados. O porcelanato que imita carvalho francês está lá para dizer algo sobre quem mora ali — mesmo que a madeira jamais tenha pisado em solo brasileiro. Mas não se trata apenas de vaidade. Há também questões de acesso e sobrevivência simbólica.
A arquitetura brasileira é construída sobre o seguinte paradoxo: como comunicar status num país profundamente desigual? O fake se torna uma solução prática e estética. É o mármore acessível, a rusticidade padronizada, o luxo empacotado em metros quadrados financiáveis.
No entanto, ao naturalizar o simulacro, perdemos a oportunidade de criar uma estética própria, honesta e tropical. Ignoramos materiais autênticos, regionais, sustentáveis — como a madeira de reflorestamento, o adobe, a palha trançada, a cerâmica crua — que poderiam expressar uma arquitetura verdadeiramente brasileira, viva, quente e orgânica.
Há uma dor silenciosa em querer o que não se tem e em vestir a casa com fantasias de pedra fria. O excesso de revestimentos fake é uma forma de negar o que somos: um povo caloroso, criativo, múltiplo e generoso. A arquitetura tem o poder de curar identidades. Basta deixarmos de imitar o outro e começarmos a reconhecer a beleza do que já é nosso.
Está na hora de trocar a aparência pela essência. O decorativo pelo significativo. O “parece” pelo “é” – e de lembrar que essa reflexão não se limita apenas ao campo da arquitetura.
Brenda Rolim é formada em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Ceará, especialista em visual merchandising e retail design pelo Instituto Europeu de Design. Atual presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará, arquiteta apaixonada por design e se destaca por sua abordagem inovadora e consciente evidente em seus projetos. Acredita que a arquitetura deve refletir o espírito do tempo e a identidade dos seus usuários, promovendo bem-estar e conforto. Além de seu trabalho em projetos residenciais, hoteleiros e comerciais, também se envolve em iniciativas comunitárias, buscando sempre contribuir para um ambiente urbano mais agradável, acessível e justo.