Márcia Travessoni – Eventos, Lifestyle, Moda, Viagens e mais

Entre em contato conosco!

Anuncie no site

Comercial:

[email protected]
Telefone: +55 (85) 3222 0801

Brenda Rolim – ‘Cidades Genéricas’ e o mais do mesmo que pode nos adoecer

22 maio 2025 | MT Acontece

Por Redação

As cidades estão ficando cada vez mais iguais, clamando por construções únicas
que reflitam nossa história, cultura e criatividade popular
Após viagem ao Chile, a arquiteta Brenda Rolim tece reflexões sobre Cidades Genéricas e o futuro da arquitetura e do urbanismo contemporâneos (Foto: Acervo pessoal)

Por Brenda Rolim

Estive pela primeira vez na cidade de Santiago, no Chile, e como alguém que adora viajar, observar e questionar, trago aqui minhas impressões fruto dessa visita.

Sempre há uma grande expectativa quando vamos a um lugar pela primeira vez, mas percebi que grandes capitais tendem a não me surpreender muito… Isso acontece porque aquele encantamento de ver algo pela primeira vez tem sido cada vez mais difícil de encontrar – ao passo que as cidades estão ficando cada vez mais iguais.

LEIA MAIS >> Brenda Rolim – Transformar uma cidade em um palco de criatividade, experimentação e arte

Marina Rolim – SXSW 2025: Tendências e a pressão de não ficar para trás

Se você compara Santiago a São Paulo, guardadas as proporções, são duas realidades bem parecidas. O centro, com seus prédios históricos de estilos copiados da Europa e os raros exemplares de arquitetura colonial que se salvaram; e as áreas mais nobres da cidade, com torres de vidro refletivo, bares e restaurantes que, em geral, te oferecem os mesmo drinks e pratos de raiz italiana, francesa ou americana – ambientados com um design de interiores que você certamente já viu em algum lugar pelo mundo. Até as pessoas se parecem as mesmas no estilo de vestir e em suas características físicas – eu sei que a América Latina é uma grande mistura, mas eu esperava encontrar um povo mais chileno no Chile. 

A cidade é interessante, com bairros muito bem urbanizados, passeios largos, prédios implantados de maneira a deixar as pessoas fluírem entre as quadras, parques cheios de vida e gente caminhando pelas ruas. Mas me fez muita falta a sensação do novo, do diferente, do singular

Como ex-colônias, fomos convencidos de que o Velho Mundo era a referência a ser seguida e nossa cultura a “selvageria” a ser esquecida – para não dizer, dizimada. E, séculos depois, apesar de já termos acordado quanto ao valor da nossa brasilidade, seguimos sonolentos na valorização do que é único e realmente nosso em termos de arquitetura e urbanismo.

Cidades Genéricas e sem história

Vivemos em cidades que repetem padrões estéticos importados sob um pretexto de estarmos finalmente alcançando desenvolvimento e inovação tecnológica. O resultado disso são as “Cidades Genéricas” – termo cunhado pelo teórico Rem Koolhaas que alerta sobre o caminho rumo a falta de identidade que a sociedade moderna tem tomado. Citando o autor, a “Cidade Genérica é uma cidade sem história. É grande o bastante para oferecer tudo, mas não tem nada que a diferencie. Ela é simultaneamente vazia e cheia, fluida, infinita.”

Não estou querendo dizer que o intercâmbio de conhecimentos não é interessante e muito menos defendendo que deveríamos produzir edificações caricatas e fakes históricos, mas que, assim como a música e o movimento moderno brasileiro fizeram, podemos nos destacar por produzir algo único nascido do entrelaçamento profundo entre cultura, história, diversidade e criatividade popular, valores capazes de transformar as experiências locais em expressões contemporâneas, mantendo nossas raízes vivas ao mesmo tempo em que dialogam com o mundo.   

Nossa cultura nos ancora como humanidade e é de enorme importância para nós enquanto sociedade, se pensarmos em saúde mental. A desconexão emocional com o lugar (topofobia) – ou seja, a falta de identidade e acolhimento nos espaços que frequentamos no dia a dia – aos poucos vai nos adoecendo. A relação com o lugar vai ficando insossa, funcional e zero afetiva. E isso gera a sensação de alienação, aumento da ansiedade, apatia social, sobrecarga sensorial, estresse crônico e redução da qualidade de vida.

Há quem esteja consciente dessa realidade, e são justamente essas pessoas que têm buscado moradia e turismo em destinos mais exclusivos e exóticos (o que não significa sair do país ou pagar caro) onde ainda restam costumes e paisagens singulares que emocionam pela beleza, diversidade e verdade.

Os envidraçados e modernos prédios erguidos nas cidades atestam o movimento de “generificação” urbana (Foto: Acervo pessoal)

Trazendo para a realidade de Fortaleza, fico pensando no futuro que estamos construindo, principalmente nesse momento em que revisamos nosso plano diretor com decisões que impactarão na vida de todos, por gerações. Precisamos, como sociedade e opinião pública, nos engajar nesse debate que interessa à coletividade. 

Será que essa arquitetura genérica e envidraçada de não-sei-quantos-pavimentos representa mesmo o desenvolvimento da nossa cidade? Será que não estamos indo na contramão do que precisam ser as cidades do futuro, levando em conta a crise de saúde mental mundial? Será que não deveríamos estar criando espaços pensados para fortalecer o convívio e o senso de comunidade/pertencimento, ao invés de shoppings centers e paredões de estacionamento que segregam e ignoram a relação com o entorno?

Será que não deveríamos, como cidadãos abençoados com acesso à boa educação, entre outros privilégios, repensar os conceitos de felicidade e luxo sob a ótica da responsabilidade urbana coletiva e construir um senso crítico sobre modelo de cidade contemporânea e do nosso papel individual dentro dela?

Humildemente, não me coloco aqui como alguém que tem essas respostas, mas que convida à reflexão dessas, entre tantas perguntas importantes que devemos nos fazer, para que nossa querida Fortaleza possa emergir como “elite” e se destacar no cenário nacional – o que nada tem a ver com poder econômico e, sim, com consciência e posicionamento adequado ao nosso tempo.

E como as cidades e a arquitetura são reflexos diretos do que somos, finalizo com mais uma pergunta: você tem sido uma pessoa única ou genérica?

***

Brenda Rolim é formada em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Ceará, especialista em visual merchandising e retail design pelo Instituto Europeu de Design. Atual presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará, arquiteta apaixonada por design e se destaca por sua abordagem inovadora e consciente evidente em seus projetos. Acredita que a arquitetura deve refletir o espírito do tempo e a identidade dos seus usuários, promovendo bem-estar e conforto. Além de seu trabalho em projetos residenciais, hoteleiros e comerciais, também se envolve em iniciativas comunitárias, buscando sempre contribuir para um ambiente urbano mais agradável, acessível e justo.

Publicidade

VEJA TAMBÉM

Publicidade

PUBLICIDADE