Designer compartilha aprendizados sobre pedalar pelo Interior do Ceará
Esta edição do MT Indica é sobretudo acerca de desbravar fronteiras. Em nossa matéria de capa, a designer de moda Andréa Bezz compartilha como ela tem percorrido, de bicicleta, o caminho rumo à liberdade do indivíduo e também em direção ao autoconhecimento. Ao desbravar a Capital e as estradas cearenses sobre duas rodas, Andréa tem se descoberto cada vez mais dona de si e da história que escreve para ela mesma.
Nossa equipe também desbrava uma nova fronteira nesta edição, a da inovação. É com muito orgulho que apresentamos o MT Indica repaginado e 100% desenvolvido para priorizar a experiência de leitura digital. Um trabalho realizado a muitas mãos e que tem a célebre assinatura do designer Fernando Brito, responsável pela nova identidade visual da Plataforma Márcia Travessoni.
E você, quando foi a última vez que desbravou uma nova fronteira, seja ela física ou subjetiva?
Por Tainã Maciel
Fotos Arquivo pessoal
Os primeiros raios de sol brilham pela janela. Duas garrafas de água, protetor solar e algumas ferramentas já estão guardados na bolsa, bem como roupas leves para o conforto do corpo. É hora de partir. Assim começam as aventuras da ciclista cearense Andréa Bezz, que decidiu desbravar o interior do Estado em cima de uma bicicleta. A ideia não surgiu por acaso. Desde a infância, a designer de moda de 31 anos tece uma relação afetiva com esse meio de transporte prático e não-poluente.
Natural de Morada Nova, distante cerca de 170 km de Fortaleza, Andréa viveu a infância e boa parte da adolescência no interior. “O lugar que eu morava era um pouco longe da cidade e a bicicleta era um meio de transporte, mas também era lazer. Lembro da minha mãe me deixando na escola de bicicleta. Ela me levava na garupa. Quando cresci um pouco, comecei a pedalar e ir pra escola sozinha. Lembro de visitar meus primos também. Como era no interior, não tinha muito essa preocupação com o trânsito, como a gente tem aqui. Era mais livre mesmo”, recorda.
Aos 17 anos, ela passou a morar na capital do Estado e o período de adaptação na cidade também resultou em um afastamento – quase involuntário – do ciclismo. “Eu não achava possível ter bicicleta em Fortaleza, em uma cidade assim tão grande”, conta. Após sete anos residindo no município, veio o reencontro. Engajada em causas ambientais, a designer começou a participar de alguns eventos relacionados ao ativismo e conheceu vários ambientalistas, incluindo pessoas ligadas ao movimento ciclista.
“Decidi começar a pedalar dentro do Parque do Cocó por me sentir mais segura e fui maturando a ideia de sair na rua. Foi um processo. Na época, tinha pouquíssimas ciclofaixas na cidade e pra quem está começando a pedalar elas ajudam muito. Comecei a fazer pequenos trajetos, até que um dia eu saí da minha casa e fui até o trabalho de bike, que era em torno de 4,5 km. Percebi também que poderia superar a questão física, de pedalar distâncias maiores, e perdi o medo de estar na rua. Sucesso”, partilha.
O desejo de conhecer o mundo sempre pulsou dentro de Andréa Bezz e, se depender dela, a maioria dos percursos serão percorridos de bike. “Tenho amigos que viajam de bicicleta e comecei a ver essa possibilidade. A primeira que eu fiz foi para Jericoacoara. Em 2017, eu estava desempregada, peguei minhas coisas e coloquei na bicicleta. É uma experiência muito incrível e libertadora. Quando você está na estrada e chega de bike a recepção das pessoas é muito acalorada, porque não é comum. Alguns dizem ‘fica na casa de fulano’, às vezes você encontra alguém que lhe oferece comida e tem gente que costuma hospedar ciclistas. É um tipo de viagem mais econômica, tanto pela bike, como pela ajuda das pessoas”, comenta.
Nesse primeiro trajeto longo, Andréa encontrou um amigo, o também ciclista Pedro Lopes. “Passei por Itarema e quando cheguei em Jeri, encontrei um amigo. A minha ideia era pedalar até Jeri, mas estava tão gostoso que a viagem foi se estendendo. Seguimos para uma vila de pescadores e fomos até a Viçosa. De lá, a gente desceu para Parnaíba”, conta. Andréa levou dois dias para chegar em Jericoacoara, mas o restante da viagem seguiu em um ritmo mais lento. “Queria aproveitar mais a vivência com as pessoas”.
Andréa destaca uma peculiaridade relacionada ao passeio de bike por áreas mais verdes e preservadas, como as regiões mais afastadas das grandes cidades. “É tudo muito lindo. Como a bicicleta não faz barulho, você escuta tudo. Não é agressivo para aquele habitat, como um carro. Você consegue andar mais devagar e ver mais as coisas”.
Após a primeira experiência, a designer tomou gosto e conheceu várias regiões do Estado. Limoeiro do Norte, Quixadá, Granja e Beberibe estão na lista de destinos já visitados. Em setembro de 2020, Andréa decidiu apresentar a terra natal ao amigo Pedro, – lógico – de bike. Apesar de não ter feito o trajeto Fortaleza-Morada Nova sobre duas rodas, a dupla explorou vários pontos da região com esse meio de transporte. “Queria mostrar a ele onde eu nasci e como está o sertão agora. A ideia da próxima viagem é visitar o Crato. Quero conhecer essa parte do Ceará que é muito rica. Eu gosto muito de ter esse resgate do Ceará”.
Apesar da ótima experiência que foi a primeira viagem de bike, com destino a Jericoacoara, a designer não escapou dos percalços inesperados, o que serviu de aprendizado para os outros trajetos. “Pedro queria me levar pra conhecer os Lençóis Maranhenses, mas eu tive um problema, porque estava viajando com a bicicleta que não era apropriada para o cicloturismo. Eu estava com uma bicicleta urbana e tive que voltar de ônibus”, relata.
“A bicicleta ideal para o cicloturismo é mais confortável. Como você passa muito tempo pedalando é ideal que ela tenha uma geometria que te deixe mais confortável. Por exemplo, as bicicletas de esporte te deixam muito deitado, em uma posição agressiva, porque é feita para correr. A bicicleta ideal para essas viagens tem que ser fácil de regular, como ter um freio mais comum, porque você pode parar em qualquer lugar na estrada e o mecânico que estiver lá vai saber mexer”, aconselha.
Sobre o que levar em uma viagem dessas, Andréa afirma que os itens variam de acordo com o tempo e o estilo do trajeto escolhido, mas alguns são obrigatórios. “É bom levar as ferramentas, uma chave, câmara reserva, para o caso do pneu furar, e a bomba. Água, alimento, protetor e roupas adequadas – um shortinho de ciclista – também são essenciais. O ideal é você tentar enxugar muito o que você leva”, orienta.
A designer conta que costuma viajar com duas garrafas grandes de água, que totalizam cerca de 4,5 litros do líquido primordial. “Às vezes, na estrada, a gente encontra algumas guaritas da polícia. Teve uma vez que parei numa dessas para encher as garrafas e o policial ficou impressionado porque eu estava viajando sozinha. Conversamos um pouco e ele me deu uma espécie de bênção quando parti”, lembra Andréa.
Uma mulher viajando sozinha de bicicleta? Questionamentos como esse sempre rondam Andréa Bezz, assim como outras mulheres adeptas ao ciclismo. Para ela, pedalar é sinônimo de liberdade. “Lembro da fala de uma feminista que diz que a bicicleta fez muito pela emancipação da mulher, porque ela passa essa autonomia. Me sinto poderosa e fico com a sensação de que posso fazer qualquer coisa. Em cima de uma bicicleta posso ir para onde eu quiser, além de ser um veículo democrático. Qualquer pessoa pode ter acesso a uma bicicleta”.
Nas viagens, inclusive, ela segue alguns cuidados como pedalar sempre pela manhã e ter um spray de pimenta na bolsa. “Eu não quero deixar de fazer nada por ser mulher. Além disso, já experienciei e vi muitos relatos de outras mulheres que também viajam sozinhas de que as pessoas do campo acabam te acolhendo mais por você ser mulher. Algumas pessoas sentem mais confiança em deixar uma mulher acampar no quintal, do que um homem, por exemplo”.
Para a designer, a reconexão com essa prática esportiva também está relacionada com o corpo. “A gente que é mulher sofre muita pressão estética. Mas eu amo pedalar. Temos que nos resguardar por causa da pandemia, mas amo estar na ativa. Passei a olhar para o meu corpo com muito mais carinho”.
Hoje, Andréa “prega a palavra da bicicleta”, como ela mesma brinca, e já deu aulas em coletivos como o “Bike Anjo” e oficinas de mecânica para ciclistas mulheres, além de participar de competições sobre duas rodas. A formação profissional e as aventuras na estrada também resultaram na marca de bolsas Avoante, idealizada por ela, que oferece peças práticas, coloridas e feitas para atender as necessidades dos ciclistas.
“Voltar a andar de bike foi uma transformação como mulher. Conheci outras mulheres, me associei a coletivos e comecei a entender mais a cidade e a mobilidade urbana. A bicicleta transformou a minha vida positivamente”, afirma Andréa Bezz.
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