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Conheça Paola Tôrres, a médica que assumiu lugar na Academia Brasileira de Literatura de Cordel

27 jul 2020 | MT Life

Por Tainã Maciel

Se a declamação de poemas é relacionada muitas vezes aos enamorados, os cordéis são uma declaração de amor à cultura nordestina. A expressão popular perpassa a história da oncologista pernambucana Paola Tôrres Costa, que trabalha com a união entre medicina e arte. Este mês, ela assumiu a cadeira 38 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), que pertencia ao músico Moraes Moreira, falecido em abril deste ano. Ao Site MT, Paola conta sua trajetória e fala sobre a paixão pelos versos.

A fundadora do Instituto Roda da Vida, que oferece Medicina Integrativa a pacientes oncológicos, lembra que o brincar livremente com as palavras veio de família. “Quando eu era criança descobri, na estante da minha casa, vários folhetos de cordel, que tinham sido da minha avó materna Antonieta. Ela amava os romances de cordel por influência da mãe. Minha bisavó Priscila era uma portuguesa que vivia em Caruaru, local onde esse tipo de literatura sempre foi muito abundante”.

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A descoberta da pequena Paola despertou o encanto pela cultura popular. “Por meios desses livretos, aprendi com a minha mãe o que é mote e rima e até hoje brincamos uma com a outra de ofertar um mote e esperar a glosa (glosa é nome que se dá à poesia que é feita a partir de um mote ou tema). Nós duas, junto com a minha parceira Renata Arruda, transformamos uma dessas glosas em música, que foi gravada pelo Ney Matogrosso no CD ‘Nordeste in Natura’, que é um trabalho autoral, meu e da Renata, todo de ritmos populares nordestinos“.

“A paixão pelo cordel atravessa gerações de mulheres na minha família”,

afirma Paola Tôrres.

Professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) há mais de 25 anos e autora do livro “Andei por Aí“, Paola encontrou na sala de aula uma ponte para unir seu ofício com a arte. “Só publiquei seriamente cordéis a partir de 2010, quando comecei a utilizá-los na sala de aula na Universidade Federal do Ceará (UFC) e na Unifor, onde leciono nos cursos de Medicina. Em 2016, durante um pós-Doutorado realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o meu orientador me instigou a escrever um livro autoetnográfico, e surgiu então o Andei por Aí – Narrativas de uma Médica em Busca da Medicina”, conta.

A obra de Paola chegou às mãos de Dráuzio Varella, que além de convidá-la para fazer uma websérie veiculada no seu canal no YouTube, chamada “Sertão de Dentro“, prefaciou a segunda edição do livro. “A temática da obra, em sua grande parte escrita em cordel, com capa e xilogravuras inéditas do mestre J. Borges, são histórias dos meus pacientes, portadores de câncer hematológico chamado Linfoma, imbricadas à minha própria história de vida, como sertaneja e imigrante“, descreve Paola.

O livro “Andei por aí” surgiu durante o pós-Doutorado de Paola Tôrres na Unicamp. (Foto: Alex Campêlo)

“Minha produção cresceu bastante, e tenho andado o Brasil inteiro levando o seguinte lema: Medicina, Cordel e Cantoria, é remédio que veio pra curar”,

aponta Paola Tôrres.

Para a oncologista, a literatura de cordel ajuda na comunicação com os pacientes. “Penso que o cordel consegue comunicar, de forma simples, informações sobre diagnósticos e tratamentos, ou mesmo sobre a natureza das doenças, que o linguajar médico tornam complexos e ininteligíveis, mesmo para pessoas mais instruídas. Além, claro, da riqueza das rimas e boa dose de humor e descontração que podemos utilizar”, reitera.

Mulher cordelista na Academia

Paola confessa que sempre teve um genuíno interesse pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), que lutou para tornar o cordel um Patrimônio Imaterial Cultural do Povo Brasileiro. “Fiz algumas visitas à sede, no Rio de Janeiro, e participei de sessões plenárias na Sala Cecília Meireles, onde uma vez fui convidada a discursar. Conheço pessoalmente quase todos os acadêmicos e acho que o meu empenho em divulgar o cordel, nos meus trabalhos dentro e fora da Medicina, me fizeram chegar até esse momento: receber o convite para compor a Academia”.

Me sinto honrada e ainda custo a crer em tamanho mérito. Farei o possível para oferecer o melhor de mim durante o tempo que me couber ser a ocupante dessa cadeira, antes ocupada por dois grandes poetas brasileiros (Manoel Monteiro e Moraes Moreira), dos quais sou profunda admiradora”, relata.

Como mulher cordelista, a médica reconhece a importância de ocupar esse lugar. “Estamos conquistando nosso espaço e mostrando que sempre estivemos presentes, só faltava o reconhecimento ao nosso trabalho, que é e sempre foi muito relevante. Atualmente faço parte de um coletivo de mulheres cordelistas e a campanha ‘Cordel sem Machismo’ vem de uma necessidade de rediscutir o papel da mulher em todos os espaços. Precisamos refletir e dialogar, colaborativamente, sobre comportamentos que foram cultivados ao longo de séculos”, defende.

Foto: Alex Campêlo

“Eu não entro sozinha na Academia, carrego comigo desde Maria das Neves Baptista Pimentel, a primeira mulher a publicar um cordel, até a mais nova cordelista do nosso coletivo, porque a minha voz e o meu trabalho eu dedico a todas nós”,

diz Paola Tôrres.

Acervo de cordéis

Com 15 cordéis e três livros publicados, Paola não só produz como defende o resgate das obras de outros cordelistas. Ela é idealizadora da Cordelteca Maria Baptista das Neves, da Unifor. O projeto surgiu de uma conversa com o Mestre Gonçalo Ferreira. “Expressei a minha vontade de digitalizar os clássicos da Literatura de Cordel, as obras raras que existem na ABLC, que precisam ser preservadas, por exemplo, de incêndios, como aquele que houve no Museu Nacional. O próximo passo foi pensar em quem me apoiaria nessa tarefa hercúlea”, lembra.

“Sabendo do comprometimento da minha amiga Manoela Queiroz Bacelar com os acervos de livros raros que existem na Universidade de Fortaleza, pedi apoio ao que fui prontamente atendida. Foi incrível como todos manifestaram de imediato o seu amor pelo cordel”, recorda.

A Cordelteca Maria das Neves Baptista Pimentel foi inaugurada em 2019, com a presença da filha e da neta dessa que foi a primeira mulher a publicar um cordel. “Por causa do machismo vigente da época, ela teve que utilizar como pseudônimo o nome do seu marido Altino Alagoano. A Cordelteca já conta com um acervo significativo, tem inspirado parcerias dos diversos Centros de Ensino da Unifor com a Biblioteca, por meio de pesquisas, visitas e eventos”, diz.

Durante a Bienal Internacional do Livro do Ceará em 2019, foram organizadas visitas guiadas desde o Centro de Convenções até a Cordelteca, localizada na Sala Raquel de Queiroz, no Campus da Universidade, além de fornecer um acervo catalogado. “Esse ano, no aniversário no primeiro aniversário da Cordelteca, ofereceremos o Diploma ‘Cordel Brasileiro’, cujo intuito é anualmente homenagear um cordelista que esteja vivo e na ativa, pelos serviços prestados ao cordel brasileiro. Esse diploma também será entregue virtualmente. Os nomes indicados estão sendo estudados pela curadoria e, em breve, o homenageado será divulgado”.

Foto: Alex Campêlo

Com sotaque cativante, a médica Paola Tôrres mostra que é possível promover um diálogo fácil entre saberes diversos. “Penso que o cordel tem um potencial incrível de se tornar uma linguagem de comunicação potente do médico com a população e do professor com o aluno”, explica. O Site MT compartilha versos exclusivos que a cordelista disponibilizou na entrevista:

Eu agradeço aos leitores
Que vão ler esses meus versos
Pois muitos são os processos
Dos quais somos condutores
Nós somos os detentores
De um tipo de maestria
Que brota no dia a dia
Veloz como o pensamento
É perfeito o casamento
Da rima com a poesia

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